Enquadramento
A temperatura global do planeta subiu cerca de 0.6ºC durante os últimos 100 anos (IPCC, 2001), sendo esse aumento mais elevado sobre os continentes do que sobre os oceanos. Por outro lado, sobre as massas continentais o aquecimento foi assimétrico, apresentando tendências (trends) mais elevadas nas temperaturas mínimas nocturnas do que nas máximas diurnas (Karl et al., 1993). Um recente estudo à escala Europeia (European Climate Assessment, ECA) demonstrou que se tem produzido importantes alterações na frequência de temperaturasextremas durante a segunda metade do século XX (Klein 2002; Frich et al. 2002). Apesar de os resultados obtidos para a Península Ibérica serem relativamente escassos, eles confirmam um importante incremento da temperatura mínima conjuntamente com um aumento menor, mas significativo, da temperatura máxima (Trigo e Palutikof, 1999; Santos et al. 2002).

De acordo com as projecções mais recentes formuladas no último relatório do IPCC (2001) é muito provável que se verifique um aumento da frequência e/ou magnitude das ondas de calor (heat waves) ao longo do século XXI. Todavia, não é ainda claro se para além de um aumento dos valores médios não se irá assistir a uma alteração da própria forma das distribuições de temperatura, ou seja, se os momentos estatísticos de ordem mais elevada (e.g. variância, assimetria, etc) se mantenham imutáveis num clima futuro. Em particular, o aumento da variabilidade da temperatura máxima diária de verão foi recentemente apontado como estando na base da onda de calor na Europa ocidental no verão de 2003 (Schär et al., 2004) que provocou mais de 30 mil mortes adicionais (Trigo et al., 2005). É de salientar, no entanto, que os cenários climáticos para a Ibéria e relativos a extremos de temperatura são menos fiáveis do que os correspondentes cenários relativos às temperaturas médias (Trigo e Palutikof; 1999, IPCC, 2001; Santos et al., 2002), apresentando uma gama de incerteza bastante alargada. Novos modelos de circulação regional da atmosfera bem como técnicas de downscaling cada vez mais apuradas permitem antever melhorias significativas na capacidade de reproduzir eventos extremos do clima actual (Trigo e Palutikof, 2001).

As mudanças na frequência e na intensidade de extremos térmicos bem como relativas a outros eventos extremos meteorológicos podem afectar (directamente e indirectamente) a saúde da população (McCarthy et al., 2001; Casimiro e Calheiros, 2002; Casimiro et al., 2005). A detecção e a medida destes efeitos de saúde são necessárias para fornecer a evidência na qual basear as políticas nacionais e internacionais que se relacionam às medidas do controle e da minimização de potenciais efeitos nefastos. Depois dos impactos da onda de calor europeia de 2003, há agora um consenso generalizado, entre as autoridades de saúde, de que um dos meios mais eficazes de reduzir a vulnerabilidade actual da população e de aumentar a capacidade de lidar com um futuro (eventualmente caracterizado por  eventos extremos mais frequentes e mais intensos) passa pela execução de sistemas de vigilância e alerta para eventos extremos do tempo (Ebi, 2005). Os componentes críticos de um sistema de vigilância e alerta incluem modelos da predição da doença, a previsão de tempo (clima), e um plano de resposta/acção. Dado que a vulnerabilidade da população aos eventos extremos do clima é local, as medidas de adaptação da saúde pública também necessitam ser de carácter local.

Os impactos na saúde dos eventos climatológicos extremos observados recentemente em Portugal, incluindo a grande onda de calor de 2003 que abrangeu todo o país, e um episódio regional em 2004, não estão ainda inteiramente estabelecidos. Por outro lado, a onda de calor de 2003 e o ano extremamente seco de 2005 foram caracterizados pelos dois valores mais elevados de área ardida por fogos florestais, respectivamente  450.000ha e 300.000ha. Finalmente o Inverno de 2004/5 foi caracterizado por vários períodos de frio extremo. Recentemente, tem-se verificado progressos no conhecimento da detecção e na modelação do impacto que as ondas de calor tiveram na mortalidade em Portugal [Nogueira, 2005; Calado, 2005; García-Herrera, 2005]. No entanto, o memo não se verifica em relação aos estudos dos impactos na saúde do stress provocado por situações extremas de frio, bem como relativamente aos impactos na saúde associados aos fogos florestais e aos episódios de seca em Portugal. Além disso, a análise da carga/custo (burden) destes impactos na saúde da população não foram até agora investigadas em Portugal.

Em trabalhos recentes, membros deste grupo têm vindo a estudar as condições sinópticas associadas a situações de temperatura extrema em vários pontos da península Ibérica (Trigo e Palutikof., 1999; Díaz et al., 2002a; Díaz et al., 200b; Garcia et al., 2002; Prieto et al., 2002; Garcia-Herrea et al., 2005). As diferenças significativas que se observam no impacto das temperaturas extremas na mortalidade das diferentes cidades põem em evidência a importância das características climáticas locais bem como dos factores sócio-demográficos de cada cidade.

Referências

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